Deixo à consideração do leitor alguns excertos do livro O Jovem Estaline de Simon Sebag Montefiore, que me dedico a ler, sempre que os vagares do ócio, que presentemente não abundam, me permitem essa benesse. Foi uma daqueles presentes de natal faz-de-conta-que-é-surpresa, ou seja, daqueles que como somos nós que escolhemos, geralmente gostamos. Com a devida vénia ao oferente e a mim próprio, pelo conjunto mérito no acerto da escolha, seguem-se três passagens que considero, por motivos diversos, particularmente interessantes ou curiosas:
1. Um olhar sobre o modo de vida revolucionário seguido de uma maneira muito sui generis de, na clandestinidade, exercer a igualdade para com os "camaradas" revolucionários:
«Clandestinamente, os revolucionários eram, sob uma fachada de puritanismo, sexualmente liberais. Casais de camaradas acabavam constantemente juntos, na febre do trabalho revolucionário.
Quando não se encontrava com os Alliluyevs, Soso [Estaline] estava novamente ao comando de Kamo e dos seus jovens acólitos sosoístas. Se pretendia que obedecessem a uma ordem rapidamente, dizia: «Vou cuspir agora - e, antes que o cuspo esteja seco, quero-vos de volta aqui!» (página 172).
2. Uma combinação surpreendente:
«Certo dia Estaline levantou-se cedo e saiu, sem uma palavra. Kandelaki apareceu pouco depois e esperou nervosamente pelo seu regresso.
- Adivinhas porque é que me levantei hoje tão cedo? - perguntou Estaline, radiante. - Arranjei trabalho no armazém da refinaria Rothschild. Vou ganhar 6 abaz por dia (1 rublo e 20 copeques).
A dinastia franco-alemã, que personificava o poder, o luxo e o cosmopolitismo do capitalismo internacional, não teria sentido a mesma satisfação que Estaline, mas nunca vieram a saber que tinham dado emprego àquele que viria a ser o supremo pontífice do marxismo internacional. Estaline desatou a rir e a cantarolar:
- Eu trabalho para os Rothschilds!
- Espero que de agora em diante os Rothschilds comecem a prosperar - gracejou Kandelaki.
Estaline não respondeu, mas compreenderam-se perfeitamente: faria tudo o que estivesse ao seu alcance para garantir a prosperidade dos Rothschilds.
(...)
Batumi gabava-se da sua população de 16 000 operários persas, turcos, gregos, georgianos, arménios e russos, dos quais perto de mil trabalhavam na refinaria controlada pela Companhia de Petróleos do Cáspio e do Mar Negro, propriedade do barão Eduard de Rothschild. Os operários, muitos dos quais eram crianças, viviam em circunstâncias miseráveis na Cidade do Petróleo, em azinhagas lamacentas, entre o fedor das fossas que transbordavam e os resíduos das refinarias. Muitos morriam com tifo. Mas os milionários de Batumi e os administradores estrangeiros, na sua maioria ingleses, imprimiam àquele lugar atrasado uma aura de boulevard à beira-mar, com grandes mansões brancas de estilo cubano, sumptuosos bordéis, um campo de críquete e um Clube Naval inglês.
(...)
No dia 4 de Janeiro de 1902, "ao regressar a casa vi o incêncio!", diz Kandelaki. Apareceu então Estaline, muito alegre e a gabar-se: "Homem, as tuas palavras tornaram-se verdade!" Na verdade os Rothschild haviam "prosperado" com a admissão de Estaline como empregado. "O meu armazém está a arder!"» (páginas 133-136).
3. Termino com uma pequena provocação:
«Um dia, um jovem padre da cidade de Tseva, entre Chiatura e a estação de Jirual, estava no bazar quando foi cumprimentado por um homem desconhecido. "Eu sou Koba [Estaline] de Gori", disse ele. "Não estou aqui para fazer compras. Tenho um assunto particular a tratar contigo." Chamando o padre Kasiane Gachechiladze à parte, Estaline disse ter conhecimento de que o padre possuía alguns burros e perguntou-lhe como podia traspor os montes até Chiatura, acrescentando: "Ninguém conhece esta área melhor do que tu."
O padre apercebeu-se de que o sinistro estranho sabia muito acerca dele e da sua jovem família. Também reparou que o atirador do Esquadrão de Batalha Vermelho local, assassino de polícias, estava de guarda à porta do bazar. "Não havia polícia em Tseva na altura - o Esquadrão Vermelho mandava lá." "Koba de Gori", claramente um líder Vermelho, solicitou educadamente a utilização dos burros do padre e ofereceu a considerável quantia de 50 rublos para traçar uma rota pelos montes. O dinheiro acalmou a ansiedade do padre.
Estaline insistiu em convidar o padre para uma bebida numa taberna local.
" Informar-te-ão anticipadamente de quando virei", disse antes de desaparecer. "Padre, não te atrases: quero fazer a viagem para lá e para cá num dia. Somos ambos homens novos."
Pouco depois o padre foi informado. Estaline regressou com dois capangas, que o ajudaram a carregar os burros com alforges contendo dinheiro, máquinas de impressão e, provavelmente, munições. Estaline sabia que os comboios para Chiatura eram frequentemente revistados, pelo que havia concluído que esta era a forma mais segura de alcançar a sua "fortaleza bolchevique".
O padre e o ex-seminarista [Estaline] conversavam enquanto caminhavam. Por vezes, debaixo de uma árvore. Estaline descansava a cabeça no joelho do padre, para fazer uma sesta. Durante a ditadura de Estaline, o padre Gachechiladze desejava ter assassinado o seu companheiro, mas, na altura, "ele impressionava toda a gente. Eu até gostava dele - era comedido, sério e decente. Até costumava recitar-me poesia", acrescentando que as composições eram de sua autoria. Ainda tinha orgulho de ser poeta.
"Alguns dos meus poemas foram até publicados nos jornais", gabou-se Estaline, que raramente falava de política, mas afirmava que "A polícia procura-me porque um amigo meu se envolveu numa luta em Chiatura por causa de uma rapariga - e eu apoiei-o." Mostrava o braço rígido como evidência desta luta (mais uma das suas versões). Estaline dizia as graças antes das refeições. "Vês, ainda me lembro", riu. Cantava enquanto andavam. "A música tem tanto poder para acalmar a alma!", reflectiu.
"Alguns dos meus poemas foram até publicados nos jornais", gabou-se Estaline, que raramente falava de política, mas afirmava que "A polícia procura-me porque um amigo meu se envolveu numa luta em Chiatura por causa de uma rapariga - e eu apoiei-o." Mostrava o braço rígido como evidência desta luta (mais uma das suas versões). Estaline dizia as graças antes das refeições. "Vês, ainda me lembro", riu. Cantava enquanto andavam. "A música tem tanto poder para acalmar a alma!", reflectiu.
Um camponês convidou o padre e o revolucionário para um banquete. Estaline, já tocado, cantou "com tal suavidade de veludo", que os camponeses queriam "casá-lo com a sua filha."
O padre elogiou-o:
- Terias dado um grande padre.» (páginas 187-189).
O oferente, na humilde medida do seu contributo, felicita o ofertado pela simpática referência, fazendo votos de que a estadia e a visita regular a esta casa continue como tem sido: um prazer.
ResponderEliminarUm grande abraço.
Obrigado pela generosa mensagem.
ResponderEliminarO prazer é todo meu. Farei o meu melhor para continuar a contar com a tua leitura assídua e com a ocasional presença da chalaça pronta e inteligente que caracteriza o estilo e o homem, que assim contribui decisivamente para enriquecer esta acolhedora isbá.
Espero que a visita continue sempre a ser um prazer.
Um grande abraço.
P.S: O Mr. Incognito, certamente alguém que eu criei para realizar deliciosas torpelias cibernéticas, mas de quem sinceramente não me consigo lembrar, teve a fineza de ocupar sem cerimónias a poltrona destinada aos comentários, e teima em não desamparar a loja. Apresento as minhas desculpas pela descortesia de não assinar os meus próprios comentários, mas o insólito da presença deste Mr. Incognito, aqui abancado numa de simpático ocupa, dá à coisa uns ares de pitoresco, que, confesso, até acho graça.